quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Existe Natureza Humana?


Ao estudar a filosofia clássica nos deparamos com uma classe de filósofos gregos que tem a finalidade de ensinar os filhos dos anciões a tornar-se animais políticos. Através das palavras, estes convenciam as pessoas de que o céu é branco, de que a terra é maior que o sol, de que as pessoas vivem apenas para satisfazer as necessidades divinas e estas vontades eram transmitidas por intermédio daquele que se dedicava a atividade política. Assim as pessoas se conformavam com as decisões “sábias” que saiam das ágoras. Estes filósofos professores eram conhecidos como sofistas.
            Protágoras de Abdera (nascido em Abdera 480 a.C. e morto na Sicília 410 a.C.) chegou a uma conclusão – que até a década de 50 do século passado era uma certeza – “O homem é a medida de todas as coisas”. Isto é, o homem é a categoria central em que é possível pensar todas as coisas. Esta expressão é racionalista, ou seja, é uma discussão lógica que propõe que tudo é feito pelo homem para o benefício do homem e, portanto, o homem nasceu da natureza para controlá-la atribuindo qualidades e significados.
            O homem, como medida de todas as coisas, pode levantar questionamentos se analisado o processo de transformação da natureza por ela própria descrito em Engels (1848); e neste processo a que Engels viria chamar de criação da natureza humana. “Quando um homem se separa definitivamente do macaco esse desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes épocas [...] orientado em um determinado sentido por um novo elemento que surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade”. A natureza humana até o fim do século XIX se limitava as manifestações da matéria, isto é, a essência da vida humana, como resultado de um processo evolutivo da natureza não humana. A natureza humana depende da sociedade e da divisão social do trabalho para sua preservação.  Sendo assim, seria possível o homem ser a medida de todas as coisas?
No entorno do desenvolvimento de uma sociedade pré-industrial e da disseminação de ideais nacionalistas e comunistas Engels propunha que a natureza estivesse em constante transformação e o homem que uma vez foi resultado desta transformação passaria a ser o agente transformador a partir da evolução dos tempos e do progresso do trabalho. A sociedade como evolução e progresso da natureza, da história, do trabalho, das ciências, das técnicas e das tecnologias significa para Karl Marx (1859), parceiro que desenvolveu vários trabalhos com Engels, que a natureza humana se desprende tão somente de sua matéria natural passa a se atentar também à sua consciência moral; “o homem é visto como intrinsecamente dotado de valor, é bom, não pode, portanto, ser a base da explicação de uma sociedade má [...] não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.”
Se acompanharmos o momento histórico que estes pensamentos foram criados, podemos perceber que o liberalismo econômico que teria como principal objetivo dar condições a todos de igualdade, porém, Reis e Nobres não mais teriam vantagens sociais uma vez que era necessário o trabalho para se ter moeda e moeda para a subsistência. Essa mesma época foi marcada pelos cercamentos (enclosures) de terra mudando toda a vida do camponês. Ora, se o homem é bom, a sociedade é boa e o liberalismo um meio justo de subsistência, por que cercar terras, fazer homens passar fome e a partir daí, estes mudarem-se, para os centros urbanos? Marx e Engels já alertavam para um projeto de controle e dominação daquilo que se acreditava ser evolução e progresso. Observe! Pouco a pouco a Europa vive a Revolução Industrial, assim, a consciência do homem não determina exatamente quem ele é, mas a consciência coletiva determina quem ele deve ser. Isto nos leva a outro questionamento: “então, eu não sou quem penso que sou, mas sou um membro interdependente de outros membros para mover o corpo e todos os membros são dirigidos por uma parcela de membros dominantes?”
            Para entender melhor este projeto de dominação da natureza, no século XVII Francis Bacon, um importante político, filósofo inglês inicia em suas obras “Sobre jardins” e “Organum” teorias de como dominar a natureza – este projeto está chegando ao seu limite com a dominação da natureza humana – o que seria bom e agradável ao dominador, as reações da natureza. Ele diz “quando falamos das formas, mais não entendemos que aquelas leis e determinações do ato puro, que ordenam e constituem toda e qualquer natureza simples e que ao homem não é dado o poder de se emancipar-se e liberar-se do curso da natureza e aventurar-se a novas causas eficientes e a novas formas de operar [...] É oportuna a apresentação de um exemplo de exclusão ou de rejeição de naturezas.”
Em um tempo onde não se conhece agrotóxicos, pouco se sabe sobre as células do sangue, a palavra estética era tão somente um modo de demarcar a qualidade de um modelo; o projeto proposto por Bacon era uma ideia natural para as condições de adaptação, desenvolvimento do humano e de suas paixões. Neste contexto de dominação e aprimoramentos das técnicas de dominação da natureza, após a Segunda Guerra Mundial um poeta inglês (C.S. Lewis) conhecido popularmente pela obra “As Crônicas de Nárnia”, questiona: “e quando a ficção e magia não for mais ficção e magia?” Lewis em sua obra “A Abolição do Humano” declara que “como anda o desenvolvimento da tecnologia vai chegar o momento em que vai existir a possibilidade de que o condicionamento humano seja tão perfeito que uma parcela da humanidade vai dominar a outra de modo extremo”, assim o projeto de dominação da natureza chega ao seu ponto máximo com o domínio da natureza humana. Lewis entendia o condicionamento humano em sua estrutura cultural, político, social e não como hoje temos os genes, o corpo – humanos objetos de sua própria intervenção científica.

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