domingo, 28 de agosto de 2011

Família e Tradição


Após a leitura deste texto e do capítulo Família do livro "Mundo em descontrole", você acredita que o significado tradicional de família para nós é o mesmo que o de nossos antepassados? Seria a democracia, a bandeira para o excesso de liberdade individual que transforma a natureza humana  e a natureza da sociedade?

Neste mix de cyborgs de oposição, cabe a nós refletir alguns passos que são dados por uma geração mais velha e incuti no pensamento da próxima geração o discernimento aceito para os ideais tradicionais de comunidade.
Como dito não devemos olhar para o passado apenas apontando que o antes era um paraíso e hoje é o apocalipse. Mas no século XX ocorreu um fato primordial para a compreensão do que está acontecendo. A passagem da sociedade de produção para a sociedade do consumo.
Na primeira década do século passado, um importante filósofo francês Jean Paul Sartre impressionou o mundo de seu tempo afirmando que as pessoas precisavam ter um projeto de vida. Para ele, era preciso esboçar um projeto de vida e prossegui-lo ano após ano de forma consciente chegando cada vez mais próximo de seu ideal. Agora, imagine-se seguindo esta teoria. Atualmente nós temos uma imensa dificuldade em nos imaginarmos daqui a um ano, imagine o projeto de uma vida inteira. As sociedades foram individualizadas: a comunidades, a nação, a movimentos políticos. Há a tendência de se redefinir constantemente o significado da vida, o propósito da vida, a felicidade na vida para o que está acontecendo com uma própria pessoa. As questões de identidade têm um papel tremendamente importante hoje, no mundo. Tem-se que criar identidade própria. Não apenas é preciso fazer isso sozinho, do zero, mas de fato a sensação que a sociedade da informação e da inovação, desconstrói e reconstrói os sentidos é de que precisamos passar a vida redefinindo nossa identidade. Os estilos de vida, as formas da vida atraentes e tentadoras mudam tantas vezes na vida que se tentássemos listar as coisas que já saíram de moda a este respeito, que mudaram no decorrer da nossa vida, levaríamos alguns dias para listar todas elas. Ainda assim, provavelmente algo ainda ficaria no esquecimento.
 Então se tantas coisas mudaram, não apenas a passagem do totalitarismo para a democracia, mas muitas outras coisas. Não se pode afirmar qual dessas mudanças é mais duradoura e vai influenciar mais a vida das próximas gerações. Se este é o início de uma nova forma de vida, que vai durar séculos, ou se é um período de transição, de um tipo de ordem social para outro tipo de ordem social. Quando estamos em um processo de transição, fica muito difícil imaginar outro tipo de solução estável, um acordo de convivência humana. Entretanto, há duas coisas que aconteceram e que são irreversíveis:
1.      Um mundo interdependente – uma coisa é que multiplicamos a humanidade em nosso planeta, as conexões, as relações, as interdependências, as comunicações espalhadas em todo mundo. Estamos agora numa situação onde todos nós dependemos uns dos outros. O que acontece na Malásia quer você saibamos ou não, sinta ou não, tem uma tremenda importância nas perspectivas de vida dos jovens no Rio Grande do Sul. E vice versa, estamos todos no mesmo barco. Essa é a primeira vez na história em que o mundo é realmente um único país, em certo sentido.
2.      Dilema ambiental – nossos antepassados decidiram assumir a natureza sob a gestão humana na esperança de que eles fariam com que a natureza absolutamente obedecesse às necessidades humanas e teriam pleno controle do que acontecesse no mundo. Agora que isso acabou, porque no resultado dos nossos próprios sucessos, as nossas respostas para os nossos sucessos, o desenvolvimento da tecnologia moderna, a eficiência, a nossa capacidade de produzir e de consumir cada vez mais; alcançar todos os tipos de recursos naturais do planeta, no resultado de todo esse tremendo sucesso da ciência e do pensamento; chegamos muito perto do que, agora,entendemos ser o limite da suportabilidade do planeta. – e não exatamente por ter alcançando o extremo de nossas ambições.
Portanto, os ideais tradicionais de comunidade além de orientar e direcionar os rumos que a sociedade deve seguir, mesmo que ela seja eclética, ela pertence a quem segue e não a sua origem. A origem da tradição justifica um contexto e no decorrer das transformações sociais deve ser pensado o peso da tradição para a sua reformulação. Segundo Anthony Giddens em séculos passados “Não havia necessidade de tal palavra, precisamente porque tradição e o costume estavam em toda parte. A idéia de tradição é uma criação da modernidade [...] Além disso, as tradições sempre incorporam poder, quer tenham sido construídas de maneira deliberada ou não. Reis, imperadores, sacerdotes e outros, vêm, há muito inventando tradições que lhes convenham e que legitimem seu mando”.
A autonomia do indivíduo e a comunidade autônoma só podem existir juntas. Não dá para ser um indivíduo numa sociedade tirana. Deve haver uma cooperação mútua entre as duas autonomias. George Orwell uma vez disse que “nós temos medo da bota de um soldado prensando um rosto humano”. Desde os fins da ditadura militar (no Brasil) e da chamada Guerra Fria (no mundo), este medo não é mais um grande problema, não existe mais o medo da individualidade ser oprimida pelos choques vindos de cima, com militares ou a polícia secreta de algum governo. Há alguns vestígios disso, mas bastante aliviados por comparação. Entretanto, o perigo para essa autonomia veio do outro lado. Da esfera do privado e do indivíduo.
A maior aproximação contemporânea da Ágora, do lugar onde a democracia foi feita, refeita, continuada, desenvolvida e protegida; a maior aproximação disso são os realities shows na televisão. É onde as massas assistem, participam, telefonam, enviam perguntas, mensagens, etc. Algo semelhante ao que se fazia na antiga Ágora Grega. A diferença é que não se estão discutindo os nossos interesses compartilhados, não se está discutindo o bem estar da sociedade, ninguém está discutindo sobre o que precisa ser feito para abolir e reparar os problemas que todos nós sofremos na sociedade atual. Eles apenas confessam, em última análise, os problemas privados individuais e bastante íntimos.
Erenberg, um sociólogo Francês, afirmou que em sua opinião, a revolução pós moderna iniciou numa noite de quarta feira a noite, num outono de 1980, quando Vivienne, uma mulher comum, na presença de 6 milhões de telespectadores, declarou que nunca teve um orgasmo em todo seu casamento porque seu marido Michel sofria de ejaculação precoce. Por que isso teria iniciado a revolução? Porque repentinamente, na Ágora, as pessoas começam a confessar coisas que eram personificação da privacidade, personificação da intimidade, que você somente contaria se você fosse católico e confessasse a um padre no confessionário ou a alguns amigos de extrema confiança. Mas você não iria à praça pública anunciar para todos. Então, a Ágora não foi conquistada pelos regimes totalitários, mas exatamente pela privacidade, por coisas que eram anteriormente privadas. É como um confessionário. É a personificação da intimidade e da privacidade que você conversa diretamente com Deus. É um segredo absoluto. Ninguém pode saber o que você confessou no confessionário. Porém, nós instalamos câmeras no confessionário.
A condição do indivíduo neste mundo pós-moderno está definida pelo novo modo de interação interpessoal. A rede. O que até aqui discutimos a tradição em seu modo legítimo de comunidade, o laços humanos se reduziram a network. Um viciado do Facebook gaba-se pelo fato de conseguir fazer 500 amigos em um dia. Talvez cada um de nós em toda nossa vida não tenha juntado 500 amigos. Então, provavelmente quando ele diz “amigo” não é a mesma coisa que as pessoas em seu entendimento particular entenda como amigo. Amigo é um laço humano, de fazer parte da comunidade, da vida do próximo. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede o outro. Nós nascemos em uma comunidade. Por outro lado temos a rede que ao contrário da comunidade é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. A atratividade do novo tipo de amizade (em forma de redes de relacionamentos ou network) é a facilidade em desconectar. É fácil conectar, fazer amizades, mas o maior atrativo é a facilidade de desconectar. Imagine que o que você tem não são amigos on line, mas conexões off-line. Conexões verdadeiras (face a face, corpo a corpo, olho no olho) é sempre muito difícil de romper. Temos que arrumar desculpas, que explicar, tem que mentir com freqüência e, mesmo assim, não se sente seguro porque o outro diz que não temos direitos, que somos sujos, etc. É difícil, mas na internet, é tudo tão fácil, com um click “deleta-se o amigo” e pronto. Em vez de 500 amigos tem-se 499, mas isso é apenas temporário, porque em um momento seguinte adicionamos outra pessoa e se tem novamente 500 amigos, e isso acaba com os laços humanos. Os laços humanos são uma mistura de benção e maldição. Benção porque é realmente muito prazeroso ter outra pessoa em quem confiar e fazer algo por ele e/ou por ela. A maldição é porque quando se entra no laço, nós esperamos ficar lá para sempre. Juramos até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Tudo isto nos evidencia o tipo de família tradicional que estamos criando para nosso tempo e a repercussão deste modelo para as próximas gerações.

BOA SEMANA!

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